TJMA inicia julgamento para uniformizar jurisprudência sobre empréstimos consignados
Por Thiago Henrique, OAB/MA 10.012
Na última quarta-feira, dia 22/08, o Tribunal de Justiça do Maranhão deu início ao julgamento do INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) n. 53983/2016, que trata de eventuais ilegalidades de contratos de empréstimos consignados em folha de pagamento, pactuados entre as instituições financeiras e pessoas idosas, aposentadas, de baixa renda e analfabetas.
O IRDR é instituto inaugurado pelo novo Código de Processo Civil que visa uniformizar a jurisprudência sobre tema relevante ou repetitivo, garantindo-se um único entendimento sobre casos análogos e evitando-se decisões divergentes dentro do mesmo Tribunal.
É comum a ocorrência de irregularidades, por parte de instituições financeiras, na contratação de empréstimos bancários por servidores públicos. O judiciário está abarrotado de processos que discutem a ocorrência de venda casada, de empréstimos consignados sem autorização do servidor público, juros abusivos ou o desrespeito à margem consignável do servidor.
CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO
Ponto relevante a ser decidido neste IRDR é a questão relativa aos empréstimos consignados na modalidade cartão de crédito consignado.
Como já publicamos neste blog, muitos servidores têm contraído dívidas quase impagáveis em decorrência do descumprimento do dever de informação, por parte das financeiras, no momento da assinatura do contrato.
A financeira ao oferecer o cartão de crédito consignado não informa corretamente as formas como são feitos os descontos em folha de pagamento, muitas vezes sequer informa que está oferecendo essa modalidade de empréstimo. Neste tipo de contrato de empréstimo, o valor descontado mensalmente no contracheque do servidor é somente o valor mínimo do cartão de crédito. Assim, o saldo devedor vai se acumulando mês a mês e os juros, sabidamente mais elevados nesta modalidade de contrato, tornam o saldo devedor impagável.
O problema é recorrente e já existem diversas decisões de vários tribunais do país reconhecendo a ilegalidade do contrato por desrespeito ao dever de informação ao consumidor.
Com o julgamento do IRDR haverá maior segurança jurídica para pleitear-se reparações civis decorrentes deste tipo de ilegalidade.
ADIAMENTO EM VIRTUDE DE PEDIDO DE VISTA
O Desembargador Relator Jaime Ferreira de Araújo, quando decidiu pela admissibilidade deste IRDR, delimitou os temas a serem enfrentados pelo plenário do Tribunal de Justiça do Maranhão, ou seja, a tese a ser firmada pelo TJMA deverá responder a estes sete questionamentos:
1. Quem possui o ônus da prova, e em especial a responsabilidade de apresentar o contrato, a planilha, o extrato bancário e custear a perícia grafotécnica solicitada pelo magistrado nos autos do processo?
2. É cabível condenação em repetição de indébito, danos morais e multa diária?
3. Deve-se respeitar a margem de reserva de 30% do valor do benefício e o limite de 6 contratações?
4. Somente poderá haver descontos com prévia autorização do titular do benefício?
5. É necessária a utilização de procuração pública e quais são os requisitos para contratação de empréstimos consignados por pessoas analfabetas?
6. Pode haver empréstimos rotativos ou indeterminados e contratação de empréstimo mediante cartão de crédito?
7. Pode haver o bloqueio das operações de empréstimos consignados nos terminais de autoatendimento bancário?
Na última quarta-feira, o Desembargador Relator apresentou seu voto com a seguinte tese:
1. Nas ações que tenham como objeto contrato de empréstimo consignado no qual a parte autora alega a ausência de celebração e sendo ela pessoa idosa, aposentada/pensionista, analfabeta e de baixa renda, haverá a inversão do ônus da prova, consoante dispõe o Código Consumerista, cabendo à instituição financeira apresentar o contrato da suposta avença, a respectiva planilha do financiamento e o comprovante de depósito bancário na conta do beneficiário, assim como o ônus de custear as despesas relativas à perícia grafotécnica, todavia, no tocante ao ônus de carrear aos autos o extrato bancário para provar os supostos descontos indevidos, caberá à parte demandante?;
2. Somente por meio de escritura pública ou por procurador constituído mediante instrumento público é que poderá o analfabeto contrair obrigações em empréstimo consignado, sendo
nulo o negócio jurídico que não obedecer a tais formalidades?;
3. É cabível a repetição do indébito em dobro nos casos de empréstimos consignados quando a instituição financeira não conseguir comprovar a validade do contrato celebrado com a parte autora, restando configurada má-fé da instituição, resguardas as hipóteses de enganos justificáveis?;
4. A contratação de empréstimos rotativos ou indeterminados mediante cartão de crédito não pode ser realizada pelas instituições financeiras como se fosse empréstimo consignado e, se for contratada pelo consumidor (em especial o analfabeto, ou de baixa, ou pensionista e ou aposentado) deve ter sua expressa autorização. Em tais contratos, haverá nulidade se não forem claramente observados os seguintes pontos:
1) o tipo de contrato que será celebrado pelo consumidor, devendo ficar claro se é empréstimo consignado simples ou empréstimo consignado mediante cartão de crédito;
2) o valor total do empréstimo, o número de parcelas, o valor de cada parcela e as taxas de juros que incidirão;
3) a expressa manifestação de vontade do consumidor, observando-se os requisitos específicos para o caso dos analfabetos, quais sejam, a necessária escritura pública ou procuração pública;
Além o Desembargador Relator, o Desembargador Paulo Velten apresentou sua tese aos quesitos formulados neste IRDR:
1. Independentemente da inversão do ônus da prova – que deve ser decretada apenas nas
hipóteses autorizadas pelo art. 6º VIII do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto -, cabe à instituição financeira/ré, enquanto fato impeditivo e modificativo do direito do consumidor/autor (CPC, art. 373, II), o ônus de provar que houve a contratação do empréstimo consignado, mediante a juntada do instrumento do contrato ou outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio, permanecendo com o consumidor/autor, quando alegar que não recebeu o valor do empréstimo, o dever de colaborar com a justiça (CPC, art. 6º) e fazer a juntada do seu extrato bancário. Nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura aposta no instrumento de contrato acostado no processo, cabe à instituição financeira o ônus de provar essa autenticidade (CPC, art. 429 II), por meio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova?;
2. A pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado, de sorte que eventual vício existente na contratação do empréstimo deve ser discutido à luz das hipóteses legais que autorizam a anulação por defeito do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158)?;
3. Tratando-se de empréstimo consignado contratado por terceiro mediante fraude,
presume-se a má-fé da instituição financeira diante de sua omissão dolosa consubstanciada na falta do dever de cuidado ao promover descontos em proventos sem autorização do titular, ensejando a repetição em dobro do indébito (CPC, art. 42 parág. ún.?;
4. Não estando vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita a contratação de quaisquer modalidades de mútuo financeiro, de modo que, havendo vício na contratação, sua anulação deve ser discutida à luz das hipóteses legais que versam sobre os defeitos do negócio jurídico
(CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158), observando-se, todavia, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, segundo os princípios da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170).
Seguiram este entendimento os Desembargadores José de Ribamar Castro, Angela Maria Moraes Salazar, Kleber Costa Carvalho e Vicente de Paula Gomes de Castro.
Após a apresentação destes votos, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Desembargador Josemar Lopes Santos e deve ser retomado em uma próxima sessão do plenário.