Sobre contrato de cartão de crédito consignado
Por Thiago Henrique, OAB/MA 10.012
É comum a ocorrência de irregularidades, por parte de instituições financeiras, na contratação de empréstimos bancários por servidores públicos. O judiciário está abarrotado de processos que discutem a ocorrência de venda casada, de empréstimos consignados sem autorização do servidor público, juros abusivos ou o desrespeito à margem consignável do servidor.
Nos últimos anos, com a possibilidade de empréstimo atrelado ao cartão de crédito, o chamado cartão de crédito consignado, muitos servidores têm contraído dívidas quase impagáveis em decorrência do descumprimento do dever de informação, por parte das financeiras, no momento da assinatura do contrato.
A financeira ao oferecer o cartão de crédito consignado não informa corretamente as formas como são feitos os descontos em folha de pagamento, muitas vezes sequer informa que está oferecendo essa modalidade de empréstimo. Neste tipo de contrato de empréstimo, o valor descontado mensalmente no contracheque do servidor é somente o valor mínimo do cartão de crédito. Assim, o saldo devedor vai se acumulando mês a mês e os juros, sabidamente mais elevados nesta modalidade de contrato, tornam o saldo devedor impagável.
Um caso bem exemplificativo é de uma professora estadual que contratou empréstimo, nessa modalidade de cartão de crédito consignado com o banco BonSucesso, no valor de R$ 3.000,00, no ano de 2008. Começou a pagar, com descontos em folha, o valor de R$ 170,00, que, com o aumento gradual das parcelas, após três anos, já havia pago R$ 9.336,67, ainda com saldo devedor. Cópia da sentença ao final. [Processo n.º 642072011 – 7ª Vara Cível São Luís – Juiz José Brígido da Silva Lages]
O problema é recorrente e já existem diversas decisões de vários tribunais do país reconhecendo a ilegalidade do contrato por desrespeito ao dever de informação ao consumidor.
A financeira vende o serviço como sendo contrato de empréstimo consignado regular, avisa que chegará um cartão na residência do contratante, mas não explica a forma de pagamento, ou seja, para a regular quitação do empréstimo, o servidor teria que pagar valor maior que o mínimo já descontado em folha. Alheio à essa informação e acreditando estar adimplindo corretamente o empréstimo, a dívida se acumula, os juros tornam-se uma bola de neve e as parcelas nunca param de ser descontadas.
Em decisão recente do Desembargador José de Ribamar Castro do Tribunal de Justiça do Maranhão, restou devidamente delineada a responsabilidade da financeira nesses casos. Assim entendeu o Desembargador:
“Nesse contexto, entendo que o negócio contratual questionado não observou o dever de informação, vez que a apelada [no caso, a servidora pública] alega ter intentado celebrar empréstimo consignado com termo final e juros pré-definidos e não contrato de cartão de crédito, com desconto em folha, sem prazo determinado e taxa de juros variáveis. Dessa forma, a situação dos autos evidencia que o serviço prestado pela Instituição Bancária, ora apelante, não informou claramente a efetiva operação de crédito contratada pelo consumidor e, portanto, não observou o dever de informação e boa fé objetiva, que deve prevalecer nestas transações financeiras.” [TJMA APC 12041/2015 – Relator: Des. José de Ribamar Castro – 14/04/2015]
Na decisão, o Desembargador, confirmando a sentença de primeiro grau, anulou o contrato firmado, determinando a devolução em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).
Em outro processo, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Juíza Simone de Freitas Marreiros entendeu que:
“A prova produzida nos autos evidencia que o autor contratou com o réu cartão de crédito, que nele foi lançado, como saque, o valor do suposto empréstimo e que as parcelas que estão sendo descontadas do salário do autor, diretamente em contracheque são, em verdade, pagamento de parte da fatura e não quitação de parcela de empréstimo. O documento de fl. 20 evidencia descontos que somam, em agosto de 2013, R$ 2.634,40. A relação entre as partes é de consumo. Restou evidente que não houve esclarecimento para o autor de que o valor do empréstimo tomado por ele seria creditado no cartão de crédito e que não haveria quitação por parcelas em número e valor previamente ajustados. Também não está comprovado nos autos que o réu, por respeito ao dever de informação, previsto no art. 6º III da Lei 8078/90, e ao dever geral de boa-fé, esclareceu ao autor sobre os altos encargos e percentuais de juros incidentes sobre o negócio, usuais para os cartões de crédito inadimplidos, já que, mês a mês, apesar do desconto pactuado no contracheque do autor, o consumidor permanece em mora. Vale ressaltar que a dinâmica do negócio proposto pelo réu é de tal forma que o autor quita o valor mínimo mensal pactuado e jamais consegue amortizar o saldo devedor em razão dos altos juros e encargos de mora aplicados.” [TJRJ – III Turma Recursal Cível – Recurso 0331438-12.2013.8.19.0001 – Relatora Juíza Simone de Freitas Marreiros – 03/07/2014]
Ao final, a Juíza determinou a suspensão dos descontos no contracheque do servidor sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) e o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
Em nosso entender é importante ficar atento às condições impostas no momento da contratação do empréstimo, especialmente quanto à quantidade e o valor das parcelas acertadas. É essencial pedir uma cópia do contrato firmado e de todos os documentos apresentados no momento da oferta do produto. Buscar o auxílio e a orientação de um advogado é sempre bom, para não acabar prejudicado por uma cláusula leonina.